terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Não Estamos Sós

NÃO ESTAMOS SÓS

Calma! O que vou falar não tem nada a ver com discos voadores e seres doutro mundo.
 Trata-se desse nosso mundinho mesmo.
Dia desses uma amiga saiu de Londres em direção a Frankfurt. E por conta de neblina e congestionamento do espaço aéreo, o vôo atrasou cerca de 2 horas, sendo que nos primeiros 60 minutos todos os passageiros ficaram esperando sentados no avião parado, sem receberem explicações do que estava acontecendo.

 Imagina só! Na Eu-ro-pa, no lugar mais civilizado do mundo, onde pontualidade é coisa séria, observe o que aconteceu diante de tal atraso e falta de explicações.

Foi inacreditável!

Ao invés daquele povo se levantar das poltronas e mostrar toda sua indignação diante de tal absurdo, eles simplesmente ficaram quietinhos bebendo água ou refrigerante. Se fosse aqui no Brasil, muito provavelmente teríamos, pelo menos, incômodos burburinhos à bordo.

Os europeus, pelo jeito, estão ficando meio frouxos; um tanto quanto covardões.

Mas olhando aqui para o nosso Brasil, ninguém pode negar que a mudança do presidente para a presidenta tirou um pouco da graça da vida política brasileira.

Na época do Lula, por mais que se goste ou não dele, tínhamos vários fuxicos para cada dia da semana. O entorno do governo era uma bagunça divertida. Por mais importante e séria que fosse a ação do executivo, sempre tinha alguém que aproveitava a oportunidade para fazer algum tipo de chinelagem. E o Lula, condenando ou absolvendo os atos da sua gente, invariavelmente achava um jeito de encontrar uma tirada de mestre, com bom humor, ironia.

Agora, porém, desde que a Dilma assumiu a batuta da Nação a constante chuva de confete e serpentina oriunda do Palácio do Planalto, cedeu lugar a um silêncio meio tétrico. A nossa Patroa mostra que não é muito dada a conviver com as futilidades da corte.
Isso pode ser bom ou ruim.

O lado bom é que a presidente deixa transparecer um perfil mais técnico de gestão pública. Aparentemente trabalha os problemas sob o ponto de vista lógico e procura resolvê-los de maneira coerente, mesmo sabendo que isso resfria, gradativamente, a popularidade que herdou de seu festeiro antecessor.

Se fosse na Rússia, talvez a característica dessa transição estivesse à altura da mudança de estilo de governar verificada entre Boris Ieltsin e Vladimir Putin.

Comparações à parte, o fato é que Dilma fez valer sua força na votação do salário mínimo que até foi engraçada de ser vista dentro da perspectiva da recente história do Brasil.

Quem imaginaria que o antigo PFL (atual DEM) iria aderir à tese do salário mínimo de R$600 proposta pelo PSDB, cujo principal mérito à frente do governo brasileiro foi exatamente debelar a inflação e promover o equilíbrio fiscal. Claro, talvez seja contabilmente possível provar que o valor da remuneração pode ser suportado pelos cofres públicos através de vários outros cortes. Mas tenho a certeza de que tal tese jamais seria defendida se hoje essa composição fosse governo e o Serra não tivesse feito do salário mínimo uma promessa de campanha.

Por outro lado, não é menos irônico assistir a líderes sindicais defendendo os R$ 545, em companhia de parlamentares que se elegeram sob o discurso de defender os interesses da classe trabalhadora. Ora, vamos reconhecer que o papel dessa turma é de representação dos interesses de sua base eleitoral que quer o maior salário mínimo possível.

Será que estamos frente a frente a um indício (ou prova) de que a democracia brasileira não passa de um grosseiro subterfúgio para justificar no poder corporações banalizadas?

Bem, voltando a olhar para a nossa Patroa, a situação de ela, aparentemente, preferir fazer hora extra de trabalho e não se harmonizar com as futilidades da corte tem o lado bom de resgate da dignidade do cargo de presidente da república, mas esconde um sério perigo: estando longe da sacanagem, Dilma está seriamente sujeita a perder o controle sobre os sacanas. E isso é desastroso, podendo até inviabilizar seu governo.

Uma razoável parte da turma do mensalão está de volta à ativa e o PMDB veio com toda força, na sua versão mais corporativa, lembrando novamente o velho PFL que se colocava na posição de vassalo do partido do governo para saciar sua sede fisiológica.

Quem diria, o partido que assumiu a liderança na luta contra a ditadura  se transformou na caricatura do próprio inimigo. Congratulações ao líder José Ribamar Sarney!

E quanto à Patroa, a verdade é que ainda não sabemos muito sobre ela. As primeiras impressões são positivas; mas daí para assegurar que a Moça, a partir do gabinete presidencial, conseguirá dominar a despensa,  banheiro, porão e salão de festas do governo, teremos que ter um período razoável de observação pela frente.
Mas veja só: junto com a popularidade do Lula a presidente recebeu outras encrencas porretas. Os furos do orçamento (crise fiscal) deverão gerar cortes de gastos suficientes para fazer despencar o crescimento da economia nacional em 2011; e se não houver tais cortes, a única saída é manter eternamente os juros altos, o que indiretamente destroça as condições cambiais para quem exporta (além de subsidiar importações), eliminando ainda mais empregos que logo, logo farão falta.
Outra herança maldita (hi, hi, hi) está no campo diplomático. O mundo árabe está em ritmo de revolução. Algo potencialmente comparável ao que aconteceu na Europa no final do século XVII e início do XVIII. Seguindo Tunísia e Egito, Iêmen, Líbia e mais outras dez nações do norte da África e Oriente Médio (incluindo Golfo Pérsico) estão em vias de derrubar seus ditadores.
E o movimento não tem nada de fundamentalismo. É predominantemente laico, apesar de grupos religiosos tentarem pegar carona no processo. Mas até o Irã está entrando na corda bamba! Aparentemente, a busca desses povos é simplesmente pela democracia.
O melhor de tudo é que não se identifica um ou mais líderes fortes (potenciais ditadores no futuro). Claro, como tudo no mundo, a nova revolução árabe pode degringolar. Mas prefiro pensar nesse povo como o herdeiro da criação da bússola e não como o guardião do apedrejamento de mulheres.
Nesse contexto, as amizades que o Lula cultivou com os presidentes do Irã, Líbia, dentre outros, podem acabar gerando saias justas em um futuro próximo. A encrenca dos EUA na região é pior ainda. Os norte-americanos que já eram mau vistos pela maioria dos muçulmanos, agora vão ter de gastar muita saliva para justificar o apoio a ditadores que estão perdendo sustentação.
 E para concluir essa sopa dos mil ingredientes, voltemos à Europa. O fato é que a frieza do avião entre Londres e Frankfurt não resiste ao sangue latino. E em meio à crise portuguesa, espanhola e grega, o Lula do Velho Mundo vai fazendo a festa. Falo do Sílvio Berlusconi. Já no terceiro mandato como Primeiro Ministro, o cara manda em time de futebol (não é o Corinthians) e transcendendo a sofisticação do nosso ex-presidente, adora uma festa com ninfetinhas. Junto com isso, tem deputado norte-americano do Partido Republicano desfilando semi-nu na internet e executivo indiano da gema destroçando uma picanha de vaca sagrada. Essa eu testemunhei pessoalmente semana passada.
Vendo as coisas por esse ângulo não dá para afirmar que o Brasil está tomando jeito. Entretanto fica cada vez mais claro que o degringolamento de planeta é geral.
Enfim, não estamos sós!

Eduardo S. Starosta