domingo, 5 de fevereiro de 2017

Tentando Entender a Era Trump

Ele é folclórico, cor de laranja, faz caretas, xinga quem quer e participa de bacanais.

Com tantos “predicados”, o bilionário Donald Trump contrariou pesquisas de opinião e os prognósticos dos principais veículos de imprensa dos Estados Unidos e ganhou o posto de presidente do país mais poderoso do mundo. Conseguir isto entendendo os anseios da velha e imbatível maioria silenciosa, mesmo sendo quase que completamente desacreditado pela sua própria base partidária do Partido Republicano.

O primeiro ponto para desvendar o fenômeno é tentar entender as razões que levaram os eleitores norte-americanos a substituir a figura do bom moço Barack Obama pelo arrogante e espalhafatoso Trump.

Para tanto é preciso voltar no tempo uns 80 anos, pouco antes do estouro da Segunda Grande Guerra. Naquela época os EUA era um país formado predominantemente por imigrantes europeus, mas que haviam simplesmente cortado os seus laços culturais e políticos com os países de origem. O isolacionismo significava fechar as portas para uma Europa belicosa e tocar a vida; construir a “América” através da construção da riqueza de cada cidadão.

Este modelo foi derrubado de vez pelo ataque japonês a Pearl Harbor e a partir dali, com uma base empreendedora muito bem forjada, os norte-americanos aprenderam rapidamente – e muito bem - a fabricar armas e guerrear nos padrões do século XX. Ao final do conflito global, lá estava uma nação que pouco tempo antes fazia questão de seu papel coadjuvante na geopolítica mundial, com o mundo ocidental praticamente aos seus pés.

A sequência: sob a batuta do ator Ronald Reagan (presidente dos EUA entre 1981 e 1989), os norte-americanos se deliciaram com a lorota do programa “Guerra nas Estrelas” que acabou por determinar a destruição da cortina de ferro e o fim da União Soviética.

Assim, de 1991 a 2001 não tinha para ninguém: os EUA eram hegemônicos sem rival.

Entretanto, a história mostra que tal tipo de domínio absoluto dura pouco tempo. Nos tempos de sossego excessivo é que começam a germinar as sementes da instabilidade. No caso, falamos da ascensão econômica e militar da China, além do modelo de guerra pelo terrorismo, onde não há, objetivamente, um território que defina a casa do inimigo, o que bagunçou todos os modelos de guerra até então conhecidos pela humanidade.

O dia 11 de setembro de 2001, praticamente na abertura do terceiro milênio, marcou o trágico início de uma nova era das relações geoeconômicas e geopolíticas no mundo.

Pelo lado do terrorismo, o medo começou a tomar conta das populações norte-americana e europeia. No campo econômico, o deslocamento massivo da produção industrial global para o território chinês gerou o temor do desemprego daqueles trabalhadores habituados à linha de produção.

A gota d’água que detonou com a sensação de segurança foi a crise migratória, relacionada aos habitantes do Oriente Médio e Norte da África, em fuga das guerras relacionadas ao fundamentalismo religioso.

Estes três fatores atingiram a União Europeia antes dos EUA, provocando, inclusive, a inesperada saída do Reino Unido do bloco econômico por plebiscito, evento mais conhecido com Brexit.

O fato é que na medida em que as pessoas se sentem mais inseguras, a tendência é que elas busquem maiores graus de proteção contra as hostilidades externas.

No caso de nós, brasileiros, é fácil diagnosticar o crescente medo do banditismo. Cercas elétricas, câmeras de vigilância, carros de vidros fechados, muros e portas cada vez mais intransponíveis para estranhos, mostram tal necessidade de segurança.

Mas se a ameaça é do exterior, o “muro” naturalmente ocorre pelo zelo nas fronteiras.

Barack Obama, com toda a sua simpatia e jeito de menino legal não viu - ou preferiu ignorar - os temores de seu povo: cuidou relativamente bem das questões pontuais relacionadas ao terrorismo, mas avaliou mal – para fins eleitorais – a questão migratória e a perda do protagonismo da produção industrial. A política via web, usada com habilidade pelo ex-presidente, pautou também a campanha de sua provável, mas fracassada sucessora, Hillary Clinton.

Donald Trump, um comunicador de sucesso, soube ver que o “povão” não estava muito à vontade de postar ou comentar opiniões na internet, a exemplo do que se chama “a elite intelectual do planeta”.

O atual presidente dos EUA foi capaz de enxergar e incorporar em seu discurso e encenações folclóricas os anseios de um povo de saco cheio em simplesmente ser bonzinho abrindo mão de seus interesses: viver em um país sem ameaças econômicas e bélicas oriundas de outras partes do mundo. Isto inclui até boa parte dos hispânicos, clandestinos há poucos anos, mas que avaliaram que a entrada indiscriminada de seus antigos conterrâneos seria uma ameaça ao próprio status, conquistas de trabalho e realização financeira.

Se isto é moralmente certo ou errado, não vem ao caso. O fato é que Donald Trump está simplesmente – e do seu jeito – fazendo o que seu eleitorado quer: muro de isolamento do México; quebra de acordos comerciais internacionais para garantir a empregabilidade interna; restrição à entrada de novos imigrantes; e cuidado extremo com a ameaça guerreira do fundamentalismo islâmico.

Talvez o momento atual do presidente norte-americano seja mero jogo de cena para agradar sua torcida de eleitores e ele modere no futuro.

Mas também pode ser que esteja em jogo uma mudança geopolítica da maior importância para a história mundial: junto com os EUA, a Grã Bretanha e boa parte da Europa buscam proteger suas fronteiras econômicas e geográficas de ameaças externas e isto tem sido um balde de água fria na globalização. Aparentemente, os ventos sopram para um ao menos parcial retorno aos tempos anteriores a Pearl Harbour.

O pior que podemos fazer, enquanto Brasil, é ficarmos olhando este fenômeno, nos contentando em acha-lo um absurdo. Fatos, por mais absurdo que sejam, são fatos.

É inadiável que o nosso país repense sua política externa, ou pagaremos muitíssimo caro pela omissão pragmática em um futuro que talvez não tarde a chegar.


Eduardo Starosta